terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS

          
             É recente no Brasil a disseminação da consciência sobre práticas inclusivas de desenho universal.
            Mesmo as correntes de pensamento critico das ciências humanas até pouco tempo atrás consideravam somente o aspecto econômico na discussão do problema da inclusão. 
            Sem sombra de dúvida este aspecto,  pelo acesso ao trabalho e renda, por si mesmo já pode resolver parte considerável das questões de exclusão, tendo-se em conta
que a renda propicia o consumo - de bens e serviços - entre eles informação,  tecnologia, educação, saúde. E estes favorecem a articulação do sujeito nos espaços sociais e políticos.   
            Embora associações e entidades representativas de pessoas portadoras de deficiência, juntamente com outros setores sociais sensíveis à questão, tenham reivindicado desde os anos 90 o reconhecimento aos direitos universais presentes na Constituição, foi somente em janeiro do ano passado, 2016, que a LBI entrou em vigor.
            A lei de Cotas, de 1991 (lei 8.213/91), que exige cota de contratação de deficientes nas empresas, ainda hoje é amplamente desrespeitada.
            Assim, evidencia-se a raiz cultural da discriminação, que  associa direito de participação social e política a padrões e conceitos de (d)eficiência originados nos processos produtivos industriais.
            As mudanças ocorridas no mundo do trabalho pelo uso intensivo da tecnologia e pela globalização, que alterou e multiplicou  processos e hierarquias, criou também brechas para se pensar a alteridade dos sujeitos, ou os pólos a partir dos quais podem surgir novas idéias, projetos, construtos.
            A noção de diversidade vai ganhando terreno, e o olhar torna-se mais sensível às  variadas expressões do que sejam os processos cognitivos humanos, às múltiplas formas de gerar conhecimento e participar da cultura, num determinado meio social.
            Algumas experiências de inclusão, em diferentes esferas sociais, são registradas. 
Produções de e para deficientes, surgem na mídia. Tecnologias assistivas são absorvidas do exterior ou criadas  no mercado interno.
            Na educação escolar, começa- se a notar, principalmente após a LBI, um movimento mais intensivo pela consideração da diversidade nos processos formais de aprendizagem.
            Dois projetos chamam a atenção,  quer pelos objetivos propostos, quer pelos resultados já alcançados,  sendo inspiradores de outras iniciativas. 
            Um deles, no nordeste brasileiro, idealizado pelo neurocientista  Dr. Miguel Nicolelis, atuando desde 2007, conta com participação de pesquisadores internacionais da área de neurociências, promovendo atividades “nas  áreas de educação, saúde materno-infantil, neurociências e neuroengenharia.”
(acesso em 28/02/2017: http://www.institutosantosdumont.org.br )
            Possui atualmente 3 centros que desenvolvem oficinas  “de educação científica no contraturno do ensino regular, em áreas como ciência e tecnologia, biologia, química, física, história, arte, robótica, comunicação e meio ambiente”, em Natal/RN, Macaíba/RN e Serrinha/BA . Estes centros recebem alunos de escolas públicas, cursando o segundo ciclo do ensino fundamental. São oferecidas 1.400 vagas.
            Informa o site: “Os Centros de Educação Científica têm como missão promover a Educação Cientifica para alunos do ensino fundamental II da rede pública, a fim de oferecer e difundir o exercício da formação cientifica que não está ao alcance de todos os setores da sociedade, e assim contribuir no processo de inclusão social.”
            “Além disso, visa à formação continuada das equipes pedagógicas, realizada em reuniões semanais em cada unidade e encontros mensais em que também participam educadores das escolas públicas de referência dos alunos.”
            O projeto mantém também um Centro de educação e pesquisa em saúde, “dedicada à formação, ao desenvolvimento e à educação permanente de profissionais de saúde, atuando como serviço de referência em saúde materno-infantil. O CEPS possui convênio firmado com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) cujo objetivo é proporcionar cenário de práticas para as atividades acadêmicas e estágio curricular obrigatório aos estudantes de graduação e pós-graduação da UFRN. O Centro conta ainda com uma equipe multidisciplinar de preceptores, na perspectiva da educação e do trabalho interprofissional em saúde. Todos os serviços prestados à população são oferecidos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2015 o CEPS recebeu 253 estudantes de graduação, 13 estudantes de residência médica e multiprofissional em saúde, 8 estudantes de pós-graduação stricto sensu e realizou mais de 12 mil atendimentos em saúde materno-infantil”, segundo o endereço de sítio supra citado.
            Com objetivos científicos mais avançados, está implementando uma universidade de estudos da interface cérebro-máquina. São do site institucional as notícias destacadas abaixo, que dão conta de algumas das atividades inclusivas do projeto:.

Ciência transmite música a deficientes auditivos

Ciência transmite música a deficientes auditivos
Levar música a pessoas surdas, por meio de estímulos táteis. Esse é o objetivo principal do Projeto Auris, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Na última quarta-feira, 11/01, os coordenadores da iniciativa estiveram no Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lilly Safra (IIN-ELS), em Macaíba-RN, para apresentar o projeto aos alunos da Pós-graduação em Neuroengenharia e para ampliar parcerias com a Instituição.

CEPS capacita enfermeiras de Macaíba sobre importância da detecção precoce do Autismo

CEPS capacita enfermeiras de Macaíba sobre importância da detecção precoce do Autismo
19/12/2016 Texto e imagens: Luiz Paulo Juttel / Ascom – ISD   CEPS capacita enfermeiras de Macaíba sobre importância da detecção precoce do Autismo   O Brasil possui cerca de 2 milhões de pessoas que sofrem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). No mundo, essa estimativa chega a 70 milhões. (...)
            Outro projeto significativo para se conhecer e absorver experiências é o desenvolvido no SENAI de Itu/SP, sob orientação do prof. Helvécio Siqueira de Oliveira. Atua em diferentes modalidades de ensino, incluindo cursos integrados ensino médio e técnico, em parceria com o SESI. O porte do projeto chama a atenção:
            “Visando atender a diversidade da demanda industrial nos municípios de Itu, Cabreúva, Porto Feliz e Salto, constituintes de sua área de abrangência, atualmente a escola dispõe de Cursos de Aprendizagem Industrial - CAI nas ocupações de Almoxarife, Assistente Administrativo, Auxiliar Administrativo, Eletricista de Manutenção Eletroeletrônica, Mecânico de Usinagem, Mecânico de Usinagem em Máquinas Convencionais, Mecânico de Manutenção e Pedreiro Eclético.
            “Nos municípios de Cabreúva, Porto Feliz e Salto, a unidade atende a convênios assinados entre o SENAI-SP e órgãos públicos ou entidades onde utiliza a infraestrutura local para a realização de cursos de aprendizagem através do programa SENAI Escola de Vida e Trabalho - EVT, nas ocupações de Almoxarife, Assistente Administrativo, Costureiro de Máquinas Industriais, Eletricista Geral e Mecânico Geral.
            “Tanto em Itu como em Cabreúva, Porto Feliz e Salto são oferecidos cursos de Formação Inicial Continuada - FIC nos períodos vespertino, noturno e aos sábados, com uma série de programas estruturados em itinerários formativos que visam atender as demandas de iniciação, qualificação, aperfeiçoamento e especialização de mão de obra para as indústrias da região. Nessa mesma linha, a fim de atender necessidades pontuais das empresas, podem ser desenvolvidos programas sob medida, com especificações definidas exclusivamente.”
(acessado em 28/02/2017: https://itu.sp.senai.br/institucional/2871/0/historico)
            Informa o prof. Helvécio que em 1996, ingressaram em curso regular, através do vestibular da Instituição, um grupo de 4 surdos. Sem especialização ou recursos assistivos para atender à demanda, o professor iniciou estudos, reuniões e debates, convidando entidades da cidade que trabalhavam com portadores de deficiência, professores e famílias dos alunos envolvidos. Reuniões quinzenais discutiam necessidades, propostas, experiências relatadas e outras vivenciadas com os estudantes na sala. Aos poucos, foram criando processos e metodologias, visando a permanência dos alunos. Os trabalhos surtiram resultados, espelhados nos vestibulares seguintes, que passaram a receber inscrições numerosas de PCDs, que buscavam na instituição uma formação e atendimento não encontrado em outras escolas da cidade.
            O corpo diretivo resolveu então montar cursos preparatórios para portadores de deficiências que tencionassem ingressar no SENAI Itu. Também, por iniciativa do prof. Helvécio, os docentes que ingressam atualmente na unidade recebem no início uma capacitação de um mês em metodologia inclusiva, na linha desenvolvida na escola.


           
Curso de costura, alunos portadores de deficiências. 
(acesso 28/02/2017: https://www.facebook.com/senai.itu/videos/vb.279554932089336/639548319423327/?type=2&theater)
           
            Informa o site, sobre estas diretrizes construídas ao longo de duas décadas:
“Pioneiramente, a unidade realiza, desde 1996, o atendimento especializado a pessoas com deficiência - PcDs física, visual, auditiva, intelectual ou múltipla, desenvolvendo ações de inclusão destes nos programas de educação profissional do SENAI e consequentemente no mercado de trabalho em atendimento aos decretos 3298/99 e 5296/04. Como suporte às necessidades das empresas para o cumprimento dessa legislação, a unidade oferece serviços de assessoria em âmbito nacional. Dentre essas ações, a unidade desenvolve metodologias de ensino, adaptação de equipamentos, levantamentos estatísticos, análise e adequação de postos de trabalho, sensibilização de funcionários e qualificação profissional de PcDs.”
            Nas classes atuais, o SENAI Itu trabalha com os alunos o desenvolvimento de projetos com adaptações específicas, tecnologias assistivas, desenho universal, em grupos dentro da sala, onde estão inseridos sempre alunos portadores de deficiências, que vão informar, analisar criticamente, avaliar e contribuir para a excelência dos resultados. O SENAI Itu tem recebido prêmios internacionais de design, nesta categoria.
               Os desafios são muitos, quando se inicia um trabalho em educação inclusiva, mas podem ser enfrentados com compartilhamento de experiências, dedicação, persistência e, sobretudo, abertura para o novo e muitas vezes específico encontro de um canal de comunicação com o outro, no processo de ensino-aprendizagem. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

"A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA MINHA ESTÓRIA DE VIDA"


Nasci em 1960, numa pequena cidade no interior de São Paulo.

Em minha infância, o universo restrito ao círculo familiar e à escola, não convivi com pessoas "diferentes".

Minha memória só registrou a imagem de um rapaz, anônimo e solitário sempre, adolescente quando eu era criança, que costumava subir e descer a rua da casa de meus pais, com dificuldade em movimentar-se, por sequela de paralisia infantil , em ambas as pernas. 

Eram as pessoas "excepcionais" ou "mongolóides", como se comentava naquela época.

Já adulta e morando em São Paulo, no trabalho e na faculdade, passei a ter contato com portadores de deficiência e a conhecer um pouco de suas dificuldades e desafios.

Mas o contato significativo, que alterou meu olhar, deu-se quado levei um dia meu carro a uma oficina. Estacionei à porta e entrei no páteo, onde estavam alguns carros. No mais próximo, um rapaz estava debruçado sobre o motor, mexendo com chaves de parafuso, o capô aberto.

Ao pedir sua atenção, ele ergueu-se e virou-se para mim. Percebi então que era cego.

Ele me cumprimentou e disse-me "Suba aquela escada ali, e fale com o meu patrão". Subi, contratei o serviço, e não consegui deixar de comentar que estava intrigada com o rapaz cego que trabalhava no motor, ali em baixo.

"O melhor mecânico que já conheci", disse-me o jovem dono da oficina. "Cuidadoso, detalhista, sabe escutar o motor como nenhum outro. Ele os monta e desmonta, conhece todos os parafusos".

Por estas estranhas coincidências que a vida nos apronta, alguns anos depois, um de meus irmãos passou a morar também em São Paulo. Convidou-me um dia para almoçar em um restaurante, pois queria apresentar, a mim e à minha irmã, um amigo seu.

Luis Alberto, cego, formado em Administração, professor da ESPM, orientador de mestrandos. Lia e comentava as monografias de seus alunos em um aplicativo em seu celular. Com extensa experiência de vida, que morou e trabalhou no exterior. 

Analítico e crítico, dono de uma memória fora do comum, antenado nas notícias dos últimos acontecimentos, Luis é dessas pessoas que quando cruzamos para um papo não saímos dele os mesmos. Passamos uma tarde toda reunidos e ele compartilhou conosco muitas das suas histórias.

Em dado momento, comentei sobre o rapaz que havia conhecido, na oficina de automóveis.

"Meu irmão ?" Disse-me Luis Alberto, "Você conhece meu irmão?"

Soube depois que eram 3 na família, ele tinha também uma irmã, instrumentista em sala de cirurgia, no HC.

Luís está hoje aposentado. É fundador, há muitos anos atrás , de uma associação denominada "Meus olhos têm 4 patas", que treina cães guias para cegos.